2010/03/02

"Quem eu quero não me quer, quem me quer eu mando embora" ou uma Livraria/Café, que se quer afirmar em S. Pedro do Sul



Que se esconda a mão que ajuda para que a outra não veja, pode ser encarado como verdadeira caridade. Mas a mão que lança a pedra e foge, acarretando que outrem possa ser responsabilizado por tal acto, é uma falta grave que não pode ter a aprovação de qualquer ser humano de boa fé.
Muitas vezes é reclamada dos políticos, uma declaração de interesses, antes do início de qualquer mandato, de forma a evitar abusos, mas também, para evitar que alguém possa ser nomeado por actos que não praticou. Nesta esteira, compete-me também fazer uma declaração de interesses, já que vou tecer algumas considerações sobre a forma como aqui nas nossas bandas, se reage ao novo ou mesmo a pequenas pedradas no charco que alguns promovem.
Sou o proprietário da Livraria Café “Sabores do Livro” na Rua Serpa Pinto, nº 586 R/C, em S. Pedro do Sul, portanto sou o primeiro interessado que este espaço seja suficientemente frequentado, para que dele possa também retirar vantagens económicas. Porém, a minha postura neste caso não se fica apenas por aí, pois que na génese deste meu investimento, pesaram razões bem mais importantes e que se prendem com aquilo que julgo ser um dever de cidadania – emprestar o meu pequeno contributo, para que as mudanças, mesmo que pequenas, se façam. É nesse sentido que se compreende a instalação desta Livraria, que como toda a gente sabe, está muito longe de corresponder a um negócio atractivo em Terras de Lafões (penso que noutras paragens não será muito melhor).

Feita a dita declaração de interesses, aqui deixo algumas reflexões:

1) Desde há muitos anos que estou em S. Pedro do Sul (25 anos) e que ouço muita gente a queixar-se que não tínhamos um Cine-Teatro operacional (é verdade que as obras no mesmo, se prolongaram por muito tempo, mesmo demasiado);

2) Dizemos também que não temos indústria em S. Pedro do Sul e que o comércio é fraco e que não responde às nossas necessidades;

3) É igualmente verdade que é habitual dizermos que não há um espaço acolhedor, onde se possa ler em sossego e ou tertuliar;

Poderia enumerar muitas mais situações em que os eternos profissionais da queixa que somos nós, nos queixamos, nos queixamos, mas...

1) O Cine-Teatro está já operacional e como todos sabemos tem programadas actividades quase todos os sábados. Mesmo que seja questionável o tipo de programação que nos oferece, sobre a qual eu não me pronuncio, a sua frequência fica muito aquém do esperado e do desejável, (eu próprio sou dos que vou poucas vezes e naturalmente tenho as minhas razões, como cada um terá as suas);
2) Sobre a indústria, as responsabilidades podem ser assacadas a quem deveria promover o desenvolvimento industrial e que se o pôde fazer, não o fez. Mas em relação ao comercio, como é que nós os habitantes do burgo nos comportamos? Estamos verdadeiramente empenhados em apoiar o nosso comércio, fortalecendo-nos nós próprios, através da força que conseguimos dar aos outros, ou muito simplesmente, substituímos o “comprar cá dentro” pelo “comprar lá fora”? Pareceria ser linear, que ao apoiar o meu vizinho comprando nele, eu teria muito mais possibilidades de vir a ter retorno, pois que ele tenderia a vir comprar, ou a utilizar serviços, que eu tivesse disponíveis para lhe fornecer.

3) E agora voltamos ao tal interesse. Não me parece que existam assim tantas Livrarias-Café à nossa volta, que suscitem a presença de muitos de nós. Foram muitos aqueles, a quem ouvi reclamar da falta de um local em S. Pedro do Sul, onde calmamente se pudesse falar/conversar e onde se pudessem realizar actividades culturais. Esse facto era apontado então, como uma grande limitação ao usufruto de um tempo livre altamente gratificante. Alguns desses queixosos, cada vez menos felizmente, como dizia o outro...não se têm visto por aí.


S. Pedro do Sul, 25 de Fevereiro de 2009

José Augusto de Jesus Roque

P.S. Esta carta foi escrita em 25 de Fevereiro de 2008 e não foi publicada porque alguns amigos me disseram que eu corria o risco de não ser compreendido.
Mas como o tempo se encarrega de nos tirar ou dar razão, desta vez dispensei a consulta aos amigos e decidi publicá-la.
Encontrando-me com o mesmo estado de espírito de Antero de Quental, quando em 1871, escreveu uma carta ao Marquês de àvila, ministro do reino, a propósito do encerramento das Conferências do Casino e ressalvando as enormes diferenças e a devida proporção, penso que nem o sonhador, nem o sonho, nem os outros, passarão à história. Mas, se por ironia do destino, tal acontecer, folgo de deixar aos vindouros que: - Em 2008 houve um homem que teve um sonho do tamanho de uma livraria/café e que ousou realizá-lo; Que acreditou que em S. Pedro do Sul, outrora terra de poetas, sendo hoje terra de artistas e que se diz terra de cultura, pudessem acarinhar tal sonho. Porém, eles não compreenderam e eu, o sonhador, enganei-me. Por isso tenho a franqueza caridosa de aqui o dizer.

S. Pedro do Sul, 02/03/2010

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