2010/11/05

CONVITE

Samuel Simões (José Henriques de Almeida e Costa) tem a honra de convidar V. Exª para a apresentação do seu livro Antologia Poética I, que terá lugar na Livraria Sabores do Livro, na Rua Serpa Pinto, 589, em S. Pedro do Sul, no próximo dia 12 de Novembro (Sexta-Feira), pelas 21 horas.

S. Pedro do Sul, 05/11/2010

2010/04/28

APRESENTAÇÃO

DIA 28 DE MAIO, PELAS 21H 30M
LIVRARIA/CAFÉ “SABORES DO LIVRO”
EM S. PEDRO DO SUL

2010/04/20

Serão de Poesia na "Sabores do Livro"

Um sorriso e um abraço à professora Isabel Prates.
Um segundo sorriso e um segundo abraço a alunos do Ensino Secundário.
Um outro sorriso e um outro abraço aos pais dos alunos, presentes, todos, em comunhão, na Livraria-Café Sabores do Livro, Sexta última, 16 de Abril.
Grato, Zé, por me teres convidado. Grato, a todos, pelo aconchego, pela boa digestão, pela atenção que nos demos. Desafio, já agora, ao continuar de serões assim: envolventes, ternos, de partilha intensa do exercício superior de Dizer a Palavra, de a conhecer, de a descobrir e sentir, verbalizando-a, ofertando-a adiante...
E é por isto que (vos) deixo, aqui, todas aquelas que, lá, vos li:

Texto A
Se partirmos das palavras, do sítio onde estão
No vento, nas bocas emitindo, no dicionário
E as acolhermos pelo que são - bonina ou orquídea
E as aceitarmos no seu justo imenso poder
E as dispusermos legíveis entre núpcia e emboscada
Não há mais problema:
A ideia que lhes pertence desce e devora-as
Como um gavião numa ninhada de pintos.
E o poeta - que é a mãe galinha - disputa é claro
Pode até salvar um pinto ou dois. Não convém mais.
Perturba o jogo das garras, perde e faz perder penas
Mas o necessário fez-se: o poema, farto, levanta vôo
Mais ou menos longo, quási sempre curtote.
Não é nada de novo. Sempre assim se fez.
O que é novo é a estragação, o molde hidráulico
Forçando o material ao prévio da fôrma.
No pinhal há muitos pinheiros. Mas só um dá o mastro.
Para este navio. Não há que derrubar tudo despindo a duna
Para fabricar duas caixinhas de palitos.
Torçam lá o exemplo como quiserem.
Um exemplo operante não tem que ser exemplar.
O que eu quero dizer é visível por fora e por dentro
De todas as argúcias mesquinhas.
Escutem-se as vozes para pilhar palavras directas
E fabrique-se o que os inocentes não sabem alegar.
Podem-se os ventos do que transportam por junto
E produzam-se as burlas que prolongam os acertos.

Texto B
Mamã. És tão bonita. Dorme, filhão.
Gostas de mim? Gosto.
Não há tranquilidade maior.
Alguém, de nós, gosta.

Até breve.Cumprimentos do jão cerveira

2010/04/19

A palavra saíu da Escola, tomou café e foi poesia



A Livraria/Café "Sabores do Livro" teve a honra de receber na última sexta-feira, dia 16 do corrente mês de Abril, um grupo de alunos da Escola Secundária de S. Pedro do Sul dinamizado pela Profª Isabel Prates, que presenteou a assistência com uma sessão de poesia.
Pela voz de Carolina Bastos ouvimos O mostrengo de Fernado Pessoa, enquanto que Cristiana Valério nos trouxe Cavaleiro Monge, também de Fernando Pessoa, como o canta a Mariza.
Ekaterina Malginova emocionou-nos com um poema da sua autoria e que integra o livro que recentemente publicou.
Afonso Pereira, Carlos Santos, Daniel Fonseca, Luís Silva, Marco Tavares, Rafael Martins, Tiago Almeida e a Profª Isabel Prates, surpreenderam-nos com o Manifesto Anti-Dantas, de Almada Negreiros.
Num ambiente de calor humano como convém, disseram também presente a Profª Leonor Quintela, com o poema O colchão dentro do toucado, de Nicolau Tolentino e o Prof. João Cerveira com um outro, que fez para este evento e que dedicou aos jovens estudantes.
Refira-se para que conste, a presença para além dos alunos, cidadãos em construção, alguns professores e alguns pais que, imagine-se lá, estão atentos ao que os seus filhos andam a fazer. A todos um enorme agradecimento.
E porque a Escola, para além da transmissão de conhecimentos, pode também ajudar a definir roteiros para a vida de cada um, será talvez de lembrar o que dizia o Poeta "O caminho se faz caminhando"
(Texto original enviado à Escola Secundária de S. Pedro do Sul)
S. Pedro do Sul, 19 de Abril de 2010
José Augusto de Jesus Roque

2010/03/23

BULLYING - Um fenómeno que ultrapassa as paredes da Escola



Ultimamente, a comunicação social, tem divulgado várias notícias referindo problemas de violência nas escolas. Descontando o oportunismo e a falta de ética que grassa na construção de algumas dessas notícias, elas deverão preocupar-nos a todos.
Por se tratarem de realidades complexas com génese multicausal e que têm efeitos desvastadores sobre vítimas e agressores, detemo-nos um pouco na análise das possíveis razões, que podem de certo modo, explicá-la em termos de escala.
Antes de mais, manda a verdade dizer, que a violência não é um problema apenas de hoje. Ela sempre esteve presente lado a lado com o ser humano.
Nós os mais velhos, quando passamos pela escola, lembramo-nos bem de várias situações em que a violência estava presente.

Tendo consciência que nessa altura, a falta de liberdade e o atraso económico e social existentes atravessavam toda a Escola, desde logo pelo crivo que apenas deixava passar alguns para a frequentar, permitia a existência de alguns mecanismos que desencorajavam esses comportamentos a partir do “razoável”. Assim, dentro do próprio grupo de pares, havia sempre alguns mais velhos ou mais fortes, que intercediam pelos mais novos e mais fracos, não deixando ultrapassar certas barreiras.
Por outro lado, as escolas possuiam regras que também elas, desencorajavam esse tipo de comportamentos – os alunos sabiam que se ultrapassassem certos limites, apareciam as punições e que essas teriam consequências na continuação da sua formação.
Também as famílias, quando chamadas e confrontadas com acções reprováveis dos seus educandos, para além de não se virarem contra a Escola, faziam o “trabalho de casa”, como educadores de primeira linha.

Importa lembrar que é sobretudo com o 25 de Abril que a Escola se democratiza, de forma a receber no seu seio muitos alunos que antes eram dela afastados. De igual modo, se as grandes mudanças políticas, sociais e culturais, permitiram o acesso mais generalizado da mulher ao mundo do trabalho, também reduziram em muito o tempo de intervenção dos dois progenitores, no processo educativo dos filhos.
Algumas destas alterações, desejáveis e necessárias e a vivência duma liberdade durante tantos anos negada, desencadeou uma ânsia enorme para recuperar o tempo perdido. Talvez essa pressa, tenha levado à adopção de medidas exageradamente embuídas pelo politicamente correcto, que teve como consequência a Escola mais ingovernável como hoje se nos apresenta.
Mas para melhor tentar comprender os factores responsáveis pelo fenómeno que atravessa as Escolas hoje, importa debruçar-nos sobre a criança enquanto criatura que se desenvolve e se constrói sujeita a várias influências.

A criança é um ser bio-psicossocial e espiritual. A sua realização enquanto ser humano, tem em conta as suas necessidades biológicas e psicológicas, mas também aquelas decorrentes da sua relação com os outros numa sociedade organizada – que tendencialmente deverá estar virada para a realização do bem comum.
A criança é assim um ser integral, que para além da matriz genética, acopla as aprendizagens e normas sociais, os valores morais, o desenvolvimento de uma espiritualidade. Esta última, muitas vezes confundida com a religiosidade tradicional, deverá ter (e tem) um papel primordial na compreensão do ser humano, na sua relação com o mundo e a natureza.

Segundo David P. Farrington (2002), a hiperactividade, a impulsividade, o controle comportamental deficiente e os problemas de atenção, são factores psicológicos que nos permitem prever o aparecimento da violência. Assim sendo, urge que se faça uma intervenção logo que se manifestem estes factores. Para isso seria necessário que se estabelecesse um cordão virtuoso, porque protector, englobando a família e os outros agentes da saúde e educação, de forma a que se operacionalizassem as estratégias adequadas à superação das dificuldades encontradas.
Já referimos que, a família por impossibilidades de vária ordem nalguns casos e por negligência noutros, demite-se dessa sua responsabilidade e espera que outros se encarreguem de tal missão.
Com a entrada para a Escola (a começar na infantil), o cordão atrás referido, deveria ser operacionalizado, mas na maioria das vezes tal não acontece. Algumas escolas, não chegam a tentar sequer, por considerarem que não estão investidas de autoridade bastante, face às manifestações agressivas dos pais, enquanto que outras que o fazem, passam por situações que lhe trazem alguns amargos de boca.

Estamos assim, na presença de problemas cuja responsabilidade pertence a todos, embora em graus diferentes. Mais do que condenar, depois de encontradas as causas, deveremos prover à superação dos problemas que afectam não apenas as vítimas, mas também os agressores, pugnando para que se alterem as condições geradores desse flagelo social.
O agressor, que à partida é um excluído e marginalizado, é com frequência alguém que também já foi agredido, pelo que há que ter em atenção essa dupla punição.

Para finalizar e porque vivemos num tempo em que tudo (ou quase tudo), foi tocado pelo monstro da globalização, com o seu poder sem rosto declarado e assumido, onde as notícias e imagens circulam a velociodades vertiginosas, façamos apenas mais um pequeno exercício.

Estamos em época farta de "muito saber" trazido por um imenso exército de Especialistas que "calcaestrumando", conjecturam, investigam, diagnosticam, planificam e implementam soluções, que põem a descoberto e até potenciam, cada vez mais fragilidades à sociedade dos simples e indiferenciados mortais.
A título de exemplo, coloquemos os nossos olhos nos especialistas da Economia, que embora tendo ao seu serviço recursos humanos, financeiros e tecnológicos extraordinários, não conseguem criar barreiras ao vergonhoso caudal de um "Império da Vergonha" assente na iniquidade, que representa a desigualdade no acesso ao mínimo necessário à vida de muitos.
Estes especialistas, são incapazes de apresentarem propostas aos decisores políticos, que comportem a verdadeira aprendizagem das mais simples operações matemáticas.
Poderiam exercitar a operação da divisão, através da cedência dos bens que se produzem em excesso no mundo, somando-os aos parcos existentes nos países mais pobres e com problemas de alimentação. Com isso treinavam uma outra operação, (diminuindo) as carências existentes, ao mesmo tempo que multiplicavam as possibilidades de sobrevivência de todos aqueles que se encontram numa situação abaixo do limiar mínimo de pobreza.

E eu,que não sou especialista de coisa alguma, qual coração que sente e atento aos fenómenos que se desenvolvem à sua volta, pela mão do bulling aqui trouxe a Escola, também ela recheada de muitos especialistas.
Espera-se deles, para fazer jus a esse título, que ajudem a superar as dificuldades, a desbravar caminhos que indiquem um verdadeiro rumo para a formação integrar do Homem.
Mas não é isso que se está a passar nas nossas Escolas, pelo menos na sua maioria. Mas em nome da verdade, teremos que reconhecer que muitas há que conseguem, apesar das dificuldades, realizar um bom trabalho educativo.
José Augusto de Jesus Roque
S. Pedro do Sul, 19 de Março de 2010

2010/03/16

A última aula de José Gil

No passado dia 10, o filósofo português José Gil proferiu a sua última aula. Aquele filósofo foi considerado pelo periódico francês “Nouvel Observateur”, há alguns anos, um dos 25 melhores pensadores do mundo.
Um dos seus principais pensamentos incide sobre o que considera não inscrição: alheamento, não intervenção social, medo de dizer o que se pensa e de agir em conformidade, que caracteriza uma boa parte dos portugueses.
Na nossa região existe uma elevada não inscrição. Receio ou mesmo medo de dizer o que se pensa também abunda. 36 anos depois do 25 de Abril…
A comunicação social nacional, na devida altura, praticamente não referiu o facto de José Gil ter sido considerado um dos 25 principais pensadores do planeta, que deve orgulhar o nosso país. Mas “compreende-se”. José Gil não é jogador, nem treinador de futebol.
No dia da sua última aula, aquele filósofo foi entrevistado no canal 2 da RTP. Pouco antes, o Sr. Presidente da República havia sido entrevistado no outro canal estatal. A entrevista de José Gil, ainda que mais curta, foi bem mais interessante.
Manuel Silva

2010/03/10

A Escola de hoje - sociedade de todos os dias



George SantaYana escreveu: “… todo aquele que não tem em conta os erros do passado, está condenado a repetí-los”.
Vem isto a propósito da educação que temos e da educação que transmitimos nas nossas escolas aos nossos jovens. Aliás, a escola, sendo certo que se espera dela, cumpra a função de instruir, dar mais conhecimentos académicos aos seus usuários, preparando-os para no futuro exercerem uma função profissional e social, a sua função não acaba aqui. Ainda mais importante, é tudo aquilo que ela pode e deve fazer ao nível da transmissão de valores ético-morais, que nos formatem em liberdade, abrindo caminho à tomada de decisões, que não sejam lesivas do exercício da liberdade do Outro.
Mas será possível a escola educar em liberdade, quando os vários agentes educativos que a compõem, estão afectados por limitações, que os impossibilitam de cabalmente exercer os seus papéis?
Ora vejamos:
Em primeiro lugar, temos que ver que a Escola não dirige sozinha o barco da educação. Antes dela e cabendo-lhe um papel ainda mais importante, temos a família. É na família, que a aventura da vida começa. É na família, que se aprendem as primeiras palavras, se ensaiam os primeiros passos, se dão as primeiras quedas, mas também onde se aprende a levantar tantas vezes quantas as necessárias. São os modelos do pai e da mãe, para o melhor e para o pior, que vão balizar o processo educativo no seio da família. A eles cabe facultar a aprendizagem do respeito pelo outro, o exercício do afecto retemperador, a educação do olhar para a natureza mãe, a existência de limites que todos devemos respeitar.
Mas as famílias não são todas iguais. As dificuldades atravessam-nas de maneiras bem diferentes a pontos de, enquanto que algumas têm mais que o suficiente, outras há aquém quase tudo falta - habitação degradada, rendimentos insuficientes para prover às necessidades do agregado familiar, baixo nível cultural que impossibilita um melhor desenvolvimento cognitivo e outras limitações geradoras de processos de estigma e exclusão. Assim, compete à sociedade como um todo, com especial responsabilidade para os governantes, encontrar e implementar políticas que tendo em conta todos, sejam direccionadas para os mais desprotegidos aos vários níveis, que contemplem o apoio para o seu desenvolvimento e capacitação,” dando o peixe, mas desde logo fornecer a cana e ensinar a pescar” .
Em segundo lugar, acresce registar a falta de condições para o exercício da disciplina nas escolas. Esta entendida no sentido de cada um, professor, alunos e restante pessoal, poderem exercer o seu papel dentro da normalidade, naturalmente respeitando todos os outros, mas sem ser molestado por eles.
Por tudo isto e em suma, devemos pensar que a educação é, embora a sociedade moderna faça a apologia do “ter” e do “lucro”, o maior e melhor investimento da humanidade, porque embora possibilitando um retorno para o investidor individual, produz uma alteração qualitativa ainda maior, no Fundo Civilizacional de todos os Seres Humanos.
10 de Março de 2010-03-10
José Augusto de Jesus Roque

2010/03/09

Apresentação do livro "Quedo(s) e Calado(s)"

O nosso amigo e colaborador do blogue, João Cerveira, acaba de publicar um livro "QUEDO(S) E CALADO(S)", tendo-nos dado o prazer de fazer a sua apresentação pública, na Livraria/Café "Sabores do Livro", nos dias 12 e 19 do corrente mês de Março, pelas 21h e 30m.
Assim convidamos todos os interessados a associarem-se a este evento.

José Augusto de Jesus Roque

2010/03/07

Reflexão sobre o filme "Precious"

Acabei de chegar do cinema. Fui ver o “Precious”. Ainda não sei bem o que dizer e como o fazer. Na minha memória cinéfila há poucos filmes que me deixaram com um nó difícil de desfazer e este foi um deles. É, indiscutivelmente, para mim, um filme que deve ser visto em grupo e depois debatido.

Esta minha reflexão padece, por isso, dessa falta de distanciamento e quiçá, de uma segunda ou talvez terceira visualização. Mas a necessidade de me libertar dele, leva-me a dizer já o que penso, qual catarse purificadora através do fogo da emoção.

A uma primeira parte onde a estória se vai desenrolando sem nos criar grandes solavancos, segue-se uma segunda onde o sobressalto é quase permanente.

A uma primeira parte onde essencialmente há cenas de interior, na casa e na escola, sendo que as da casa são pautadas por campos de luzes indirectas, sem incidência sobre os personagens que ficam quase e sempre na penumbra ou numa obscura iluminação, segue-se uma segunda parte onde os campos de luzes são mais claros, com filmagens em interiores e exteriores com boa iluminação.

A uma primeira parte onde quase não há discurso da protagonista, que fala por monossílabos ou pequenas fases, segue-se uma segunda onde esse discurso se vai desprendendo, desenvolvendo e tendo conteúdo.

A uma primeira parte que, talvez pelo tipo de iluminação e tipo de discurso da protagonista, os actos relatados não passam, para nós espectadores, disso mesmo, de meros factos que pela descritiva narrativa não nos chamando à acção, segue-se uma segunda onde, através do assumir de protagonismo da protagonista (passo a redundância) e ao aparecimento de campos de iluminação bem definidos, nos leva para a acção, apelando ao nosso exame crítico e interventivo para o que se está passar.

A uma primeira parte caracterizada por um discurso racista (o que é que a puta dessa branca vem fazer a minha casa), segue-se uma segunda onde o discurso de unidade de racial de Martin Luther King (I have a dream) ressoa, situação esta, aliás, obtida também através da própria comunidade educativa, ela racialmente plural.

A uma primeira parte onde predomina a desordem de uma escola com turmas com bastantes alunos, segue-se uma segunda de sucesso de um projecto educativo alternativo com meia dúzia de alunos.

A uma primeira parte de campos de focagem são fixos (apesar de alguns travellings), segue-se uma segunda onde, nas intervenções mais tensas, o cameraman faz movimentos bruscos horizontais e verticais, como se os nosso próprios olhos não aguentassem manter-se fixos na personagem que está a dizer o se texto e tivessem momentaneamente de se desviar à procura de socorro.

Enquanto a protagonista não assume as dores de alma e de corpo das violências que lhe foram infligidas, nós não assumimos esse seu mal, acompanhamo-lo como meros espectadores, somos até complacentes com algum mal que lhe é infligido, em razão do seu comportamento socialmente desviante (roubar a comida no restaurante e o processo pessoal na segurança social e agredir miúdos do bairro e da escola), ao facto dela ser feia e de não reagir contra o modo como a mão a trata.

Mas quando ela verbaliza: para mim o amor é a violência, a violação, o dizerem que sou gorda e que não sei fazer nada, o trazerem-me a morte... Aí sim... aí sentimos a dor dela. Aí opera-se a ruptura com o passado através da assumpção crítica do mal que lhe tinham feito.

Até esse momento fomos quase cúmplices da mãe, e por isso temos uma reacção profundamente adversa às explicações que ela dá. Causam-nos nojo. No fundo é a nossa culpa a defender-nos, a dizer que a culpa é só dela, mas a verdade é que nós fomos testemunhas, também, dessa violência e mais ou menos aceitamo-la como fazendo parte do enredo. Não nos mexeu a barriga. Não nos fez sair da sala de cinema. Quando a mãe começa a falar com a assistente social, aí queremos assistir a tudo (embora, por medo e sentimento de culpa, fugindo-nos os olhos) para sermos juízes e a podermos condenar, expiando assim os nossos pecados. Sobre este momento da narrativa é interessante realçar o facto de ter havido no filme uma cena onde se indicia a existência de violência sexual da própria mãe sobre a filha, mas a final, aquando daquela entrevista, esse facto não foi debatido, daí se podendo concluir que a filha o não terá revelado. Porquê? Isso não sei explicar.

A escolha de actores que não são estrelas de hollywood, sendo que a protagonista é mesmo feia e a mãe não lhe fica atrás. A escolha na origem racial dos personagens: negros e emigrantes, de bairros periféricos de NY: Harlem e Bronx. Tudo isto cria uma envolvência mais próxima de nós, simples mortais.

Para mim, todos os bons filmes têm uma frase que os caracteriza. Neste é a seguinte: uma caminha inicia-se com um primeiro passo. A estória contada é a de um percurso humano de violência cuja libertação se inicia com um passo, o da educação.

Interessante, e também de realçar, é a abordagem preconceituosa de quem não tem quadro de valores, ou melhor, para quem os mesmos estão completamente alterados: a protagonista ao ver a professora a falar e a conviver com uma amiga vê nelas lésbicas, embora depois aceite, preconceituosamente, também, que foram os não homossexuais que lhe trouxeram todos os males do mundo.

A abordagem à problemática do HIV é bastante positiva, não só no que tange à reacção da comunidade que com ela vive, que não a exclui, antes pelo contrário, a incentivou a viver, ao ponto dela afirmar que sabe que vai morrer mas até lá tem de trata dos filhos, de os educar e de lhes dar amor.

Notas finais: ela era mesmo boa a matemática, demonstrando-o no final, nas contas que fez para determinação do salário hora pago às empregadas domésticas. Os americanos, definitivamente, não dão ponto sem nó: neste filme, onde se fazem referências à Oprah, é feito por uma produtora dela, aproveitando-se ela do mesmo para fazer publicidade. Talvez por isso mesmo, até já me não me lembro do conteúdo dos diálogos onde ela é referenciada.

S. Pedre do do Sul, 07/03/2010, João Carlos Gralheiro

2010/03/02

"Quem eu quero não me quer, quem me quer eu mando embora" ou uma Livraria/Café, que se quer afirmar em S. Pedro do Sul



Que se esconda a mão que ajuda para que a outra não veja, pode ser encarado como verdadeira caridade. Mas a mão que lança a pedra e foge, acarretando que outrem possa ser responsabilizado por tal acto, é uma falta grave que não pode ter a aprovação de qualquer ser humano de boa fé.
Muitas vezes é reclamada dos políticos, uma declaração de interesses, antes do início de qualquer mandato, de forma a evitar abusos, mas também, para evitar que alguém possa ser nomeado por actos que não praticou. Nesta esteira, compete-me também fazer uma declaração de interesses, já que vou tecer algumas considerações sobre a forma como aqui nas nossas bandas, se reage ao novo ou mesmo a pequenas pedradas no charco que alguns promovem.
Sou o proprietário da Livraria Café “Sabores do Livro” na Rua Serpa Pinto, nº 586 R/C, em S. Pedro do Sul, portanto sou o primeiro interessado que este espaço seja suficientemente frequentado, para que dele possa também retirar vantagens económicas. Porém, a minha postura neste caso não se fica apenas por aí, pois que na génese deste meu investimento, pesaram razões bem mais importantes e que se prendem com aquilo que julgo ser um dever de cidadania – emprestar o meu pequeno contributo, para que as mudanças, mesmo que pequenas, se façam. É nesse sentido que se compreende a instalação desta Livraria, que como toda a gente sabe, está muito longe de corresponder a um negócio atractivo em Terras de Lafões (penso que noutras paragens não será muito melhor).

Feita a dita declaração de interesses, aqui deixo algumas reflexões:

1) Desde há muitos anos que estou em S. Pedro do Sul (25 anos) e que ouço muita gente a queixar-se que não tínhamos um Cine-Teatro operacional (é verdade que as obras no mesmo, se prolongaram por muito tempo, mesmo demasiado);

2) Dizemos também que não temos indústria em S. Pedro do Sul e que o comércio é fraco e que não responde às nossas necessidades;

3) É igualmente verdade que é habitual dizermos que não há um espaço acolhedor, onde se possa ler em sossego e ou tertuliar;

Poderia enumerar muitas mais situações em que os eternos profissionais da queixa que somos nós, nos queixamos, nos queixamos, mas...

1) O Cine-Teatro está já operacional e como todos sabemos tem programadas actividades quase todos os sábados. Mesmo que seja questionável o tipo de programação que nos oferece, sobre a qual eu não me pronuncio, a sua frequência fica muito aquém do esperado e do desejável, (eu próprio sou dos que vou poucas vezes e naturalmente tenho as minhas razões, como cada um terá as suas);
2) Sobre a indústria, as responsabilidades podem ser assacadas a quem deveria promover o desenvolvimento industrial e que se o pôde fazer, não o fez. Mas em relação ao comercio, como é que nós os habitantes do burgo nos comportamos? Estamos verdadeiramente empenhados em apoiar o nosso comércio, fortalecendo-nos nós próprios, através da força que conseguimos dar aos outros, ou muito simplesmente, substituímos o “comprar cá dentro” pelo “comprar lá fora”? Pareceria ser linear, que ao apoiar o meu vizinho comprando nele, eu teria muito mais possibilidades de vir a ter retorno, pois que ele tenderia a vir comprar, ou a utilizar serviços, que eu tivesse disponíveis para lhe fornecer.

3) E agora voltamos ao tal interesse. Não me parece que existam assim tantas Livrarias-Café à nossa volta, que suscitem a presença de muitos de nós. Foram muitos aqueles, a quem ouvi reclamar da falta de um local em S. Pedro do Sul, onde calmamente se pudesse falar/conversar e onde se pudessem realizar actividades culturais. Esse facto era apontado então, como uma grande limitação ao usufruto de um tempo livre altamente gratificante. Alguns desses queixosos, cada vez menos felizmente, como dizia o outro...não se têm visto por aí.


S. Pedro do Sul, 25 de Fevereiro de 2009

José Augusto de Jesus Roque

P.S. Esta carta foi escrita em 25 de Fevereiro de 2008 e não foi publicada porque alguns amigos me disseram que eu corria o risco de não ser compreendido.
Mas como o tempo se encarrega de nos tirar ou dar razão, desta vez dispensei a consulta aos amigos e decidi publicá-la.
Encontrando-me com o mesmo estado de espírito de Antero de Quental, quando em 1871, escreveu uma carta ao Marquês de àvila, ministro do reino, a propósito do encerramento das Conferências do Casino e ressalvando as enormes diferenças e a devida proporção, penso que nem o sonhador, nem o sonho, nem os outros, passarão à história. Mas, se por ironia do destino, tal acontecer, folgo de deixar aos vindouros que: - Em 2008 houve um homem que teve um sonho do tamanho de uma livraria/café e que ousou realizá-lo; Que acreditou que em S. Pedro do Sul, outrora terra de poetas, sendo hoje terra de artistas e que se diz terra de cultura, pudessem acarinhar tal sonho. Porém, eles não compreenderam e eu, o sonhador, enganei-me. Por isso tenho a franqueza caridosa de aqui o dizer.

S. Pedro do Sul, 02/03/2010

2010/02/23

Caixa Agrícola de Lafões: a Direcço que se demita!!!...

Confesso que não sou daqueles que têm da vida empresarial uma perspectiva emocional.

Investir é uma actividade de risco, e isso obriga que seja a razão a determinar as opções empresariais.

A empresa tem de gerir os bens escassos que lhe são postos á disposição tendo em vista a obtenção dos maiores lucros possíveis.

Sem lucros a empresa em um ente inviável e a sua morte implica um conjunto de fenómenos de repercussões negativas em todo o tecido social.

A racionalidade é assim, do meu ponto de vista, o correcto modo de agir empresarial, tendo em vista o fim social na criação de riqueza.

Uma empresa não é só a relação da sua administração com o mercado onde ela está inserida e com aquele para o qual ela está vocacionada. A empresa é muito mais do que isso, são também os seus trabalhadores e os seus accionistas.

As opções empresarias para liderarem têm primeiro de convencer para depois vencerem. É essencial, por isso, que sejam facilmente perceptíveis, entendíveis, assimiladas e aceites pelo mercado, trabalhadores e accionistas.

A existência de ruído que leve a um bloqueio comunicacional entre a empresa, o mercado, os seus trabalhadores e os seus accionistas, impedindo, ou pior, distorcendo a mensagem que corporiza as opções estratégicas da administração, pode levar ao fracasso da empresa.

Falar verdade é, por isso, fundamental na vida empresarial.

Tudo isto para dizer que vejo com muita preocupação o que se está a passar na Caixa Agrícola de Lafões.

Se estrategicamente, numa perspectiva de viabilidade para o futuro da instituição, a opção acertada é a da sua unificação com a Caixa Agrícola das Terras de Viriato, pois que se faça a mesma tão urgentemente quanto possível. Cada dia passado pode ser um dia perdido na defesa do mercado próprio onde ela actua, dos postos de trabalho dos seus colaboradores e de perdas para os seus associados.

Se há um problema, é obrigação dos órgãos sócias, mormente da Direcção, estudá-lo e apresentar fundadas soluções para o mesmo, discutindo-as com o mercado, com os trabalhadores e com os associados.

Infelizmente não foi nada disso que se passou.

O que tem vindo a acontecer na instituição nestes últimos meses é, numa linguagem moderada, própria para ser usada na comunicação social, uma verdadeira trapalhada, ao ponto de hoje ser legítimo questionar se é ou não verdade que haja um problema. Logo, se há dúvidas sobre a existência do problema deixa de ser necessária a solução da unificação.

À inexistência de um discurso simples, concretizável através de factos de veracidade indiscutível, facilmente entendível por todos, respondeu o mercado, os trabalhadores e os associados através de argumentos nada empresariais, verdadeiro blá,blá, blá de escola primária: que a sede saía de Lafões, que os impostos passavam a ser pagos fora da região, que os trabalhadores iriam ser despedidos, que para os órgãos sociais iam pessoas que ninguém conhece, blá, blá, blá. Contrapôs a Direcção que não era bem assim, porque até ficavam determinadas pessoas da região nalguns dos órgãos sociais, que as instalações da sede ficariam em S. Pedro, que os postos de trabalho estavam assegurados…. blá, blá, blá… Até a Assembleia Municipal se meteu ao barulho!!!... Verdadeira conversa de surdos. Conversa da treta. Toda a gente a falar, a falar, mas a não dizerem nada.

Se a instituição não for financeiramente viável, aí sim, lá se vai a sede, os impostos, os postos de trabalho, os lugares nos órgãos sociais.

O que me interessa saber é a verdade. Há ou não um problema. Se há, então ele tem de ser resolvido e por isso é necessário descobrirem-se as acertadas soluções. Não conheço outro caminho.

Acontece que com toda esta trapalhada foi exponencialmente agravada na última Assembleia Geral Extraordinária marcada para uma 5ª feira às 14horas.

Sinceramente, não há explicação entendível para se admitir que se faça a discussão de uma questão tão importante para a vida da instituição, como seja a dela poder vir a unir-se com outra, somente cerca de 6 meses depois desse tema ter sido discutido em Assembleia bastante concorrida e aí ter sido rejeitado de forma democraticamente indiscutível. Que facto novo ocorreu que justificasse uma nova Assembleia?

Depois, porquê numa 5ª feira às 14h. Porque não ao Sábado da parte da tarde, altura da semana onde consabidamente as pessoas têm maior disponibilidade para poderem participar no debate?

O alarido social e a indignação contra este modo de agir levou a que a última Assembleia tornasse a ser bastante concorrida e, espanto dos espantos, a Direcção escreveu ao Exº Sr. Presidente da Assembleia Geral informado que retirava da Ordem de Trabalho todos os pontos para a qual ela havia sido convocada, com o peregrino e incrível argumento de que o Sr. Presidente do Conselho Fiscal tinha pedido a demissão….

Mas o que é que uma coisa tem a ver com a outra???!!!.....

Em face do sucedido, parece-me que o descrédito em que a Direcção da Caixa caiu é de tal modo que, em defesa dos interesses da instituição, valor supremo a defender, só há uma sida: a demissão.

João Carlos Gralheiro, 22 de Fevereiro de 2010

2010/02/07

QUE FUTURO PARA O VINHO DE LAFÕES, Reflexões sobre um Debate

QUE FUTURO PARA O VINHO DE LAFÕES
Reflexões sobre um Debate
Organizado pela Gazeta da Beira e difundida pela Rádio Vouzela, realizou-se na noite da passada sexta feira, dia 05/02/2010, um debate subordinado ao tema: “Que futuro para o Vinho de Lafões”.
No debate, que foi moderado pelo Dr. Arsénio Martins, participaram deputados da Assembleia da República, um dos quais é o presidente da comissão de agricultura; investidores e investigadores na área da vitivinicultura e das actividades económicas a ela associadas, como o enoturismo; actuais e antigos dirigentes da Adega Cooperativa de Lafões (a mais antiga adega cooperativa do país, a passar momentos de enorme dificuldade, que põem em causa a sua viabilidade financeira); representantes locais de alguns dos partidos com assento parlamentar (CDS. BE, PCP e Verdes), para além do muito público que encheu por completo o auditório da Rádio Vouzela, local onde a iniciativa teve lugar.
Se as entidades envolvidas na idealização e concretização da iniciativa estão de parabéns pelo evento, também o estarão, certamente, os intervenientes no debate que, com a qualidade das reflexões que compartilharam com todos quanto, ao vivo, através do sinal de rádio ou da internet, o acompanharam, o elevaram a um verdadeiro fórum, onde a análise dos sintomas, o diagnóstico desse quadro sintomatológico e a terapia para a recuperação do mesmo terão, obrigatoriamente, de ser levados em consideração em quaisquer outras análises futuras desta problemática.
A questão colocada para reflexão aos palestrantes tinha em si mesmo todos os condimentos necessários para a abordagem do tema. Na verdade, perguntar-se “que futuro para o Vinho de Lafões” implica uma dupla análise: uma subjectiva, onde a questão nuclear é “que futuro”, e outra objectiva, ancorada na realidade “Vinho de Lafões”.
A combinação destes dois elementos, atenta a realidade concreta em análise, implica aceitar-se a premissa da existência de um passado e de um presente que representam um lastro histórico-antropo-sociológico de tal modo importante para a região e para o país que obriga reflectir sobre o seu futuro. Se isso não acontecesse, isto é, se o objecto de análise não tivesse qualquer tipo de relevância na compreensão das indiossincracias de um povo, entendendo-se este como uma realidade sociológica num determinado tempo histórico, com todas as suas valências de interacção, não seria objecto, por parte de pessoas oriundas de áreas tão diversificadas como sendo as do conhecimento puro (os académicos) do conhecimento prático (os investidores e os dirigentes associativos) e as do conhecimento combinado destes dois saberes (os políticos), de análise especulativa e reflexiva.
Atenta a natureza muito específica do solo existentes nesta região de Lafões, ao seu clima e às castas plantadas nas propriedades agrícolas, aceita-se que o Vinho de Lafões tem características organolépticas (cor, brilho, sabor, odor e textura) muito próprias, que o fazem distinguir de todos os demais vinhos: não é um vinho maduro, mas também não é um vinho verde.
Ora, esta sua particularidade fez com que, quer ele quer a aguardente vínica dele derivada, já tivessem sido produtos de elevada qualidade, ao ponto de, pelo menos o vinho ter recebido algumas medalhas de ouro em importantes certames internacionais vitivinícolas.
O conhecimento dessa mais-valia e a percepção dos dividendos financeiros que a lavra, colheita, produção e comercialização deste produto autóctone traria, fez com que os agricultores de Lafões tivessem, na segunda metade dos anos 40 do século passado, criado a Adega Cooperativa de Lafões, que foi a entidade que projectou para todo o lado, quer no país, quer no estrangeiro, este nosso bem.
Com a entrada de Portugal na União Europeia, a aplicação das regras da Política Agrícola Comum, a abertura da nossa economia aos especuladores mundiais, a opção centralizadora do estado, tudo isto combinado fez com que este nosso produto fosse definhando ao ponto de se lhe ter já anunciado a sua entrada num processo de morte lenta, no dizer da Srª Professora Leonor Corte Real e do jovem Pedro Mouro. Na verdade, em razão das opções de política económica que nos são impostas pela União Europeia em benefício dos grandes grupos económicos, levaram a que os nossos agricultores fossem deixando ao abandono as suas propriedades, fazendo hoje perigar a nossa autonomia alimentar, por inexistência de capacidade produtiva própria para alimentar o país. A isto associam-se negativamente as políticas de permissão dos grandes grupos económicos oferecerem aos produtores preços muito baixos pela aquisição dos bens que eles produzem, para depois serem vendidos a preços elevados nas grandes superfícies; as políticas fiscais altamente penalizadoras comparativamente com as dos países que connosco concorrem directamente e o elevado custo dos factores de produção, como sendo os combustíveis, adubos, energia eléctrica.
No quadro das reais grandes opções estratégicas, dos partidos do denominado “arco governativo” (do CDS ao PS) que têm governado este país desde o 25 de Novembro de 1976, tem havido uma clara desconsideração pelo interior em benefício das zonas litorais. Na prossecução destas reais opções tem-se vindo a ver uma permanente deslocalização, lenta desactivação e mesmo extinção dos serviços regionais, de apoio à agricultura em particular e á vida no interior em geral.
Este quadro levou a que os agricultores abandonassem as terras, os jovens as aldeias e vilas (hoje alguma delas cidades…), pelo que a pouca agricultura que ainda se vai fazendo nesta região ocupa uma reduzida área do solo disponível e é feita genericamente por idosos sem qualquer tipo de formação técnica ou apoio nesse nível.
Obviamente que, tal como acontece a quase todos os produtos agrícolas, em razão da miséria em que os agricultores foram lançados pelas políticas nacionais e europeias, também o Vinho de Lafões sofre com este quadro um corte na sua capacidade produtiva, quer em quantidade quer em qualidade: hoje é muito pouco o Vinho de Lafões que se produz e mesmo esse é de baixa qualidade. A agravar este quadro negro temos as recentes medidas aprovadas pela Organização Comum dos Mercados, já ratificadas pela União Europeia, que virão permitir a entrada em Portugal de vinhos a poderem-se chamar de Lafões, feitos num qualquer canto deste globo que não a nossa região e, bem assim, a poderem ser feitos com a adição de sacarose, o que os torna consabidamente mais baratos, mas que não são efectivamente vinhos verdadeiros, com isto se beneficiando apenas os produtores franceses ou alemães de beterraba, uma vez mais, em detrimento dos nossos agricultores e, no caso particular, deste específico produto regional que é o Vinho de Lafões.
Apesar de todos estes ataques a verdade é que, em resultado de estudos estatísticos feitos pelo académico Doutor Alfredo Simões, Lafões é uma denominação percentualmente bastante conhecida dos portugueses e, dentro dos que afirma conhecer esta região, uma elevada percentagem diz conhecer o Vinho de Lafões. O grave problema é que este saber é uma realidade imputada a um sector da população nacional com idade mais avançada. Isto é, os jovens cada vez mais conhecem cada vez menos este produto regional.
Temos assim um produto que já deu provas de ser um bem de qualidade vendável e lucrativo que fruto de opções políticas erradas tem vindo a definhar. Assim sendo, ao segmento objectivo da questão posta à reflexão podemos responder que há um Vinho de Lafões.
Depois de feita uma sucinta análise ao segmento subjectivo da questão, na vertente da análise histórica do que foi e do que é a realidade do Vinho de Lafões, importa agora debruçarmo-nos sobre a vertente de futuro desse produto: que futuro para o vinho de Lafões.
O mundo em que vivemos é este e, como diz uma pessoa minha amiga, “o que tem de ser tem muita força”. Não interessa por isso pensar em respostas para esta questão tendo como premissa um outro país ou este país com outras opções estratégicas, quer a nível nacional que a nível da sua integração e relacionamento nos e com os grandes espaços e organizações económicos mundiais. Vivemos numa economia de mercado, estamos na União Europeia, na Organização Comum dos Mercados e na Organização Mundial do Comércio. Esta é a nossa realidade política. A globalização das economias faz com que Lafões esteja em concorrência directa com toda e qualquer outra região do mundo que produza vinhos e que procure consumidores para os seus produtos.
O que é que Lafões tem para oferecer neste mundo globalizado? O que tem de melhoro é o seu “atraso”, que permitiu que as suas belezas naturais (serras, vales, rios, aldeias típicas, caça e pesca, desportos radicais), as suas termas (termalismo, fisioterapia, spa), a sua gastronomia (vitela, cabrito, doçarias vinhos), o seu património histórico e antropológico (pedra de Serrazes, cárcoda de Carvalhais, Torre de Vilharigues, pedras pintadas de Benfeitas, ranchos folclóricos, grupos de cantares, etc.), a amizade, simpatia e prazer de bem receber e acolher das suas gentes, não tivessem sido poluídas e descaracterizadas pelo crescimento desmesurado das sociedades de consumo. Aqui “the small is beautifull” (o pequeno é bonito). É exactamente isso que temos de bom para oferecer, o nosso “atraso”, o sossego, tranquilidade e pureza o das nossas paisagens, ares, águas e produtos regionais, para aqueles que vivem nas evoluídas cidades, metidos horas e horas dentro de carros em intermináveis filas de trânsito a respirarem CO2; que bebem água bacteriologicamente pura mas moralmente impura; que vivem em infindáveis arranha-céus onde não conhecem sequer o vizinho da frente e que comem apenas aquilo que o supermercados lhes dá, não sabendo de onde e como esses produtos provieram. Isto é, Lafões tem todas as condições objectivas para se poder acreditar que tem capacidades para oferecer produtos de elevadíssima qualidade na área do turismo.
Para tanto necessário se torna congregar vontades, no sentido de se definir um plano estratégico de desenvolvimento, planos de acção, nas palavras do Sr. Engenheiro Vítor Martinho, a longo prazo para a região, criando-se parcerias entre as autarquias, o sector privado, cooperativo, social (as Assembleias de Compartes dos baldios), as organizações ligadas ao sector agrícola e ao desenvolvimento regional e do mundo rural, os agentes culturais e desportivos e as escolas, como se de um verdadeiro “cluster” industrial se tratasse, que, com o apoio da administração central e com o recurso aos fundos disponíveis, designadamente aos comunitários, tivesse por objectivo a criação das infra-estruturas, da promoção e da exploração desse complexo produto turístico.
Desse projecto, e no que tange ao Vinho de Lafões, será indispensável a aposta na qualidade. Pelas limitações naturais do espaço geográfico colocado à disponibilidade da produção deste produto não se pode almejar atingir vastos mercados, usando-os assim factores multiplicadores na obtenção de lucros na sua comercialização. Não. Isso não será possível. O espaço é limitado, a realidade fundiária é a que é, onde a maioria da propriedade rural agrícola tem áreas muito pequenas. Assim, a aposta tem de ser, numa primeira fase em “target” (alvos) regionais. Ter-se-ão de ganhar os Lafonenses para o consumo desse seu produto. Nos Restaurantes, Hotéis, Pensões, Casas de Turismo Rural, Cafés da região ter-se-ão de ganhar os clientes para o seu consumo. Após a consolidação do produto no mercado alvo desta primeira fase, e em razão da mesma, dever-se-á partir, então, para uma segunda fase, onde o “público-alvo” já será definido por nichos de mercado de média elevada capacidade económica (aquele público que se deseja tenha ficado fidelizado ao produto em razão do consumo feitos na restauração regional) e aquele que se irá ganhar com concertadas e correctas campanhas de promoção do seu consumo. Para além da qualidade, nesta concorrência global, o Vinho de Lafões terá de oferecer outras mais-valias relativamente aos produtos congéneres que deverão ser a inovação do design colocado na sua apresentação e à agressividade do marketing na sua promoção junto do mercado composto pelo público-alvo.
Para se obter a desejada qualidade será indispensável, tal como referenciou o Sr Engenheiro António Aido, a intervenção das Universidades e de outras Escolas de Ensino Superior no sentido de se definirem as adequadas castas a plantar, trabalhando-as geneticamente, se necessário for, no sentido de potenciar todas as suas capacidades produtivas e de resistência aos ataques próprios da natureza, designadamente aos climatéricos, estudando, por exemplo os feitos que a futura barragem de Ribeiradio possam vir a ter sobre a produção do Vinho de Lafões, questão esta pertinentemente colocada pelo Sr. Geógrafo Nuno Miguel Martins; definindo os adequados terrenos, adaptando-os, se isso for exigido, organicamente para o mesmo objectivo; auxiliando os agricultores em toda as fases posteriores até à colheita, de modo a se obterem uvas de elevadíssima qualidade e, finalmente, definindo as mais correctas técnicas de fabrico, engarrafamento, armazenamento e distribuição, bem como ajudando a restauração no sentido de serem aplicadas boas e idênticas práticas na apresentação para consumo e consumo propriamente dito, tudo isto para que o produto final possa ser oferecido ao consumidor como produto de elevada qualidade. Nesse trabalho ter-se-á de ter em consideração a necessidade de se assegurar uma qualidade média muito próxima em todas as campanhas, de modo a não se defraudarem os consumidores de um ano para o outro.
Modernidade na criação do produto final e na sua apresentação e agressividade na sua promoção implicam, nas palavras do Sr. Engenheiro Casimiro Gomes, uma alteração de mentalidades, que, em princípio exigirá alterações geracionais na produção e comercialização do Vinho de Lafões. Lafões necessitará de jovens agricultores a gerir as explorações agrícolas e de jovens comerciantes a vender esse nosso produto, uma vez que a juventude é mais apta para absorver e adaptar os modos de fazer às adequadas técnicas e, bem assim, está mais aberta para soluções associativas que permitem, nas palavras do Sr. Enólogo João Paulo Gouveia, ganhos com economias de escala. Aliás, a prova da existência dessa modernidade foi constatada pela presença e participação do jovem Pedro Mouro, que com pouco mais de 20 anos aceitou agarrar e dirigir um projecto agrícola familiar na nossa região (parabéns Pedro pela coragem e pelo sinal positivo de esperança no futuro que representa esse seu gesto, numa região envelhecida e deprimida).
Como acima se deixou dito, a viabilidade deste projecto passa por uma concertada e efectiva intervenção dos poderes nacionais e locais, e isto porque, conforme frisou o Doutor Pedro Soares, a questão do Vinho de Lafões não é um problema exclusivo dos Lafoneneses, mas antes sim de todos. Portugal é o que é porque é composto de uma antropo-diversidade que assegura a sua identidade, unidade e coesão social. Tal como na natureza, na estrutura social o desaparecimento de um produto consabidamente enraizado na cultura e hábitos da nossa região é uma perda imediata para a região, mas também o será para o todo nacional. Se aceitarmos a inevitabilidade e inelutabilidade desses tipos de fenómenos acabamos por admitir o desaparecimento do que nos torna diferentes e melhores. O que nos faz beber um bom vinho em vez de uma coca-cola ou de comer um bife de uma boa vitela em vez de um hambúrguer. São estas pequenas coisas que também serviram para nos afirmarmos no concerto das nações como o país com as fronteiras mais estáveis e antigas da Europa.
A compreensão desta vertente nacional do problema levou a que os Senhores Deputados presentes tivessem assumido o compromisso, se essa fosse a vontade real das forças vivas da região, de levar a questão do Vinho de Lafões à Comissão de Agricultura da Assembleia da República, podendo esta vir a chamar os autarcas da região para, em conjunto com eles, se analisarem soluções e métodos de as alcançar, de modo a evitar a anunciada morte lenta do Vinho de Lafões.
E qual o papel da Adega Cooperativa de Lafões neste projecto? Antes de tudo terá de deixar de ser parte do problema e passar a ser parte da solução. Ela, conjuntamente com as demais estruturas do sector cooperativo e social da região deverão ser as “organizações âncoras” da dinamização e credibilização deste projecto. Deverá ser em tais estruturas que ele terá de ser alavancado, uma vez que elas, melhor do que ninguém, conhecem os concretos proprietários e produtores vinícolas da região, as suas necessidades, dificuldades, anseios, e estes, por outro lado, nelas confiam, uma vez que, pela relação de proximidade que com elas e seus dirigentes mantêm, também as conhecem, sabendo que sobre elas e seus dirigentes podem exercer um mais apertado, efectivo e positivo poder de controlo. Depois, são essas estruturas, designadamente a Adega Cooperativa, que já detêm o “know how” (saber fazer) e os meios necessários para a produção e comercialização do novo Vinho de Lafões. Serão para elas que todos os input necessários ao bom desenvolvimento do projecto terão de ser canalizados e será delas que terão de partir todos os outputs indispensáveis ao êxito do mesmo.
Uma última palavra, notou-se a ausência dos Srs. Presidentes de Câmaras da região no debate. Quero crer que tal se ficou a dever a questões alheias à vontade dos mesmos, pois custa-me a acreditar que intencionalmente e sem qualquer justificação plausível e aceitável, os mesmos tenham querido faltar a um debate tão importante para a região que ocupa o espaço geográfico e a população dos municípios que eles representam.

S. Pedro do Sul, 07 de Fevereiro de 2010
João Carlos Gralheiro