2009/02/26

BIOGRAFIA DE UM INSPECTOR DA PIDE –Fernando Gouveia e o Partido Comunista de Iene Flunser Pimentel.
Impressões corridías de Leitura:

Para ser franco, devo dizer que este livro me desiludiu de uma ponta à outra.
Da Autora, de quem eu já conhecia as Vítimas de Salazar, em co-autoria, eu esperava muito mais.
Em boa verdade, desde a contra capa à Nota Prévia, eu sabia que o objecto do estudo era o Pide Gouveia, um dos mais eficientes e temidos torcionários das várias polícias políticas do Regime Salazarista (Polícia de Informação, PVDE e PIDE), ao longo de mais de 40 anos. Eu sabia que, por razões de mim desconhecidas, ele se tornara num “especialista” na luta contra o então “chamado” Partido Comunista Português.. E uma das minhas primeiras curiosidades estava exactamente aí. Como é que um Pide adquiria a “especialidade” em anticomunismo. Haveria “cursos”, com leituras obrigatórias e análises históricas, ou um Pide já nascia anticomunista, como quem nasce nu? Se não nascia, como é que se fazia ou era feito? Tudo matérias que teriam interesse histórico e teórico e eu julgava que a biografia do pide Gouveia, o tal “especialista”, me iria fornecer alguns elementos a este respeito; para além disso, eu julgava que por detrás da história da Repressão policial fascista eu iria perceber melhor e saber algo mais sobre a luta antifascista, em geral, e sobre a luta dos comunistas, em particular.
Puro engano. A metodologia seguida pela autora não se preocupou com tais “banalidades” laterais: o seu grande objectivo era fazer o retrato do Pide Gouveia e essas “lateralidades” só teriam o relevo que o personagem central justificasse. E foi assim que ao longo do texto (quase 400 páginas) começaram a desfilar centenas, senão milhares de nomes de comunistas mais ou menos anónimos, à medida que iam tropeçando na actividade quotidiana do biografado.
O livro acaba por se transformar numa espécie de rol de comunistas que vão aparecendo, à medida que vão sendo presos, para logo desaparecem e darem lugar outros. Nenhuma razão superior de luta une ou motiva estes homens e mulheres, ao longo de mais de 40 anos de clandestinidade. Segundo o biografado “aquele nojo de gente” ou nasceu assim (por destino de Deus ou do Diabo) ou naqueles rebotalhos humanos se transformaram por maldade ou por razões mesquinhas de ascensão política e social, contra santa Ordem vigente instituída. Eram ratos do esgoto social a que era necessário e urgente da caça e exterminar. Nesta caça e extermínio se especializou o tal Gouveia!!!.
Ao longo de tanta página adivinham-se momentos de grande tensão, promessas, traições, denúncias e mortes. Mas nada é tratado na sua sede própria, procurando-se as verdadeiras razões e porquês. Tudo é amalgamado num confucionismo que está de acordo com a formação política do biografado e, parece, que da biógrafa.
Eu julgava que, historicamente, havia interesse em tirar estas coisas a limpo, isto é, o que houve de verdade nas acusações que a Pide (o Gouveia, em particular) fazia aos comunistas no sentido de que estes serem, também uns para os outros, verdadeiros traidores, sem moral nem princípios, denunciantes, perseguidores e assassinos.
Sobre isto resta-nos o exemplo final que a Autora deixou do Pide Gouveia. Quando veio o 25 de Abril. Ele estava no seu posto. “Honradamente” entregou-se foi-lhe movido um processo crime na Comissão da Extinção da Pide, onde ele fora acusado de todo o tipo de violências e sevícias cometidas contra os comunistas: agressões físicas (socos e pontapés); morais (insultos e enxovalhos) principalmente contra as mulheres, tortura da estátua e privações de sono, durante dias e dias seguidos, com interrogatórios contínuos, levando, algumas vezes ao suicídio e outras, à loucura.
Este processo foi levantado e nele foram ouvidas muitas das vítimas directas de Gouveia que de todas se defendeu negando a prática de qualquer acto de violência sobre elas, explicando que as acusações que lhe eram feitas se traduziam em vinganças ou “desculpas” daqueles que, voluntariamente se abriam os seus interrogatórios, confessando tudo o que tinham feito e denunciando a Organização, para, agora, se justificarem perante os seus “camaradas” das traições então cometidas.
Que foi feito desse processo? Quem absolveu Gouveia mesmo, sem julgamento? Como é que se explica que, por um passe mágico, ele, Sacheti e tantos outros de torcionários se tenham transformado em “honestos” reformados da função pública, recebendo até à hora das sua morte, chorudas pensões.
Quem arquivou o processo do Gouveia, valorizando, historicamente, mais a palavra do carrasco que a palavra das suas vítimas? A biógrafa de Gouveia não quis saber deste “pormenor” dos valores e arquivou, também ela, tão incómoda matéria....
Nem só o Gouveia foi anticomunista primário...
Jaime Gralheiro

2 comentários:

CARVALHO disse...

Porque já tinha passado por outros blogues que se referiam ao "biografado" pide Gouveia e à "biógrafa" Irene Pimentel quero deixar aqui e agora o meu comentário sobre: «biografia de um inspector da pide - Fernando Gouveia e o Partido Comunista Português», da autoria da historiadora Irene Pimentel acima citada. A dita "biógrafa" faz um "retrato" do torcionário pide Gouveia, num vídeo àudio da Antena-1, dizendo a certa altura que era fundamental conhecermos a vida desses carrascos e não só "das chamadas vítimas, consideradas heróis". Não podia estar mais de acordo com o blogue do Jaime Gralheiro. Assino por baixo: António Luís Carvalho.

Anónimo disse...

Passados três anos sobre o último comentário, descobri este post e senti necessidade de também acrescentar alguma coisa.
O livro parte de uma premissa inaceitável em estudos históricos: apenas toma como fontes as da PIDE, seja o Arquivo (muito importante mas de utilidade limitada se não for devidamente enquadrado com outras fontes) e as inenarráveis memórias do biografado.
Infelizmente, Irene Pimentel (que eu em tempos relacionei com uma militante da extrema esquerda mas pode não ser a mesma) não somente não faz o contraditório, ou seja não analisa o valor testemunhal e documental do Arquivo da PIDE, como também não faz o devido enquadramento histórico das prisões e outros eventos relatados.
Pior ainda, se possível toma as afirmações das Memórias pelo seu valor facial. Eu li o livro do Gouveia, e penso que é leitura para se analisar de que modo uma personalidade profundamente corrompida, moralmente e e mentalmente, com inúmeros defeitos de formação e personalidade, que reúne em si todos os sinais e provas da degenerescência que atinge os seres humanos que mergulham nas variadas formas de abusos do poder, e em que as inegáveis qualidades aparecem em última análise manchadas por esse exercício demasiado continuado.
Inacreditável de rancor e sujeira mental, a forma como aborda os presos, especialmente os vulnerabilizados por situações pessoais por vezes angustiantes, ele espeta o ferro e torce até ao limite da resistência das pessoas e apenas para quando obtém resultados. As suas memórias não são sequer autodesculpatórias. Ele aprenas não assume, por razões óbvias, os espancamentos e as torturas físicas. Ele compraz-se em recordar de que forma destruiu dezenas de pessoas que tiveram a infelicidade de lhe cair nas mãos, e até lamenta em muitas passagens as faltas de capacidades dos seus colegas em obterem resultados por não utilizarem as mesmas técnicas.
O problema é que a biografia não sopmente não se distancia suficientemente deste horror, como não percebe a proximidade do percurso pessoal (mental e moral) com as dos torcionários nazis e da tcheka (por exemplo).
Já o livro de I. P. sobre a História da PIDE tem muitos problemas básicos (nunca se percebe, por exemplo a estrutura organizativa da PIDE e a forma como se articulavam na prática para intervir no terreno, quais as funções dos inspectores, das brigadas, quais as técnicas utilizadas...), mas este livro passa os limites do aceitável.
Um trabalho decididamente muito lamentável que revela o fraco nível da nossa historiografia.
Augusto Mouta