2009/01/24

Reflexões
Um dos principais valores em que culturalmente assenta a sociedade que nos inserimos é o da dignidade da pessoa humana. O reconhecimento do Homem como sujeito de direitos e deveres, num espaço de liberdade e responsabilidade, é uma das conquistas da civilização contra a barbárie.
Mas que Homem é este que historicamente se tem vindo a afirmar? Indiscutivelmente é corpo, mas não é só isso. É também interacção com o meio que o rodeia, dando e recebendo. È neste espaço de liberdade e responsabilidade que ele se afirma como identidade própria e autónoma, Com uma capacidade de avaliação. Para tanto, nesta relação intra e inter subjectiva é necessário que haja um adequado equilíbrio do homem consigo mesmo e com o meio envolvente. Tem de haver saúde, entendida esta como um estado de completo bem-estar físico, mental e social. Ser-se são etimologicamente equivale a ser-se puro, que na mesma sede equivale a ser-se santo. Dito isto, poderemos chegar a uma primeira conclusão: ontologicamente o Homem é matéria, é espírito e é saúde/santidade.
Acontece que estes valores, que para todos nós se afirmam hoje como algo indiscutível, exigiram dos que nos precederam lutas tenazes e profundamente desiguais. Uma dessas lutas foi contra uma das instituições que mais tem formatado culturalmente o conjunto de países onde geográfica e politicamente nos inserimos. Falo da Igreja Católica. Esta instituição para poder dominar os homens, teve de lhes tirar o corpo, lembremo-nos dos Autos de Fé onde, em nome de um Deus clemente, misericordioso, consolador, se queimavam pessoas. Mas também lhe tirou a alma. Para S. Pedro e seus seguidores o homem é pó e em pó se tornará. Que tratamento mais baixo se poderá dar ao Homem? Como já se deixou dito, o Homem é muito mais que pó, muito mais que matéria. O Homem é também capacidade de afirmação da sua liberdade e responsabilidade na interacção com o meio que o rodeia. Mas a Igreja Católica, na senda de retirar ao Homem toda a sua identidade, tentando com isso deixá-lo, perdido, só, mais propenso ao domínio, retirou-lhe a saúde/santidade, exigindo que em vida o Homem sofresse de todos os padecimentos, com a promessa de uma vida celestial não mensurável nem demonstrável. Chegamos, assim, a uma segunda conclusão: a “Santíssima Trindade” – Pai, Filho e Espírito Santo – mais não é do que o roubo perpetuado pela Igreja Católica ao Homem, apropriando-se da sua espiritualidade, fazendo-a nascer num Pai (“Deus”); retirando-lhe a sua materialidade que fez encarnar num Filho (“Cristo); retirando-lhe a sua saúde/santidade, que fez projectar num “Espírito Santo”.
S. Pedro do Sul, 24 de Janeiro de 2009

3 comentários:

José Roque disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Roque disse...

Em relação às reflexões que fazes, embora julgando saber que elas pretenderão ser rastilho e lenha para a fogueira, para que a luz se faça, aceito a discussão e gostaria de tentar precisar, obviamente na minha óptica, algumas questões.
A Organização Mundial de Saúde considera que o homem saudável é aquele que consegue haurir um certo bem estar físico, emocional e social, tendo-lhe ultimamente acrescentado também o bem estar espiritual. Até aqui tudo bem, parece estarmos de acordo. Mas precisando, poderíamos dizer que o homem é algo muito complexo que ultrapassa de longe a sua vestimenta física. Poderíamos então dizer que ele é espírito e tem um corpo. Esta precisão é necessária porque, por exemplo, quando me desloco que outro papel cabe, por exemplo às minhas pernas para além de sustentarem as restantes partes do corpo? que papel têm na decisão, ou são apenas “pernas mandadas” daquele espírito que eu sou?
Ainda uma outra pequena achega.
Imputas à religião católica uma série de actos que comprovadamente são da sua responsabilidade. Mas também aqui poderíamos deslocar a discussão, precisando um pouco. As religiões, todas as religiões, têm um corpo de princípios que impelem ao bem. Etimologicamente a palavra quer dizer religar com. Talvez aqui pudéssemos fazer uma comparação com a política. A política desde a antiga Grécia que entrou na galeria das actividades nobres. Mas o que os políticos, pelo menos muitos deles, têm feito ao invés de a dignificar, têm-na colocado em maus lençóis.
Da mesma forma, poderíamos dizer que no século IV o cristianismo foi vilipendiado pelos seus inimigos de ontem. Que o diga Constantino que ao declará-lo como religião oficial de Roma dotou-o de uma hierarquia que não existia, constituída justamente por aqueles que foram até ali os seus perseguidores: - se não conseguires vencê-los junta-te a eles. Da mesma forma quem fez as cruzadas, a inquisição foram os religiosos e não a religião, eu direi mesmo que as fizeram contra a tal religação que seria de supor fosse promovida por eles.

João Carlos Gralheiro disse...

Meu caro Zé:
Essa do "rastilho e lenha para a fogueira", no contexto da análise to texto que escrevi, pode ter um subtexto altamente pernicioso, por equivalente a práticas nele denunciadas, que liminarmente rejeito e que sei que tu não quiseste chamar à colação, atento os termos em que inseriste a frase no teu texto .
A noção de saúde expressa no meu texto - sem referência à espiritualidade - é aquela que conheço como sendo da OMS.
Quanto à questão da espiritualidade, entendo que ela faz parte integrante do homem: ele é existência (corpo) e essência (espiritualidade) e é também um equilíbrio em cada um destes dois mundos, e entre eles (saúde/santidade). Como eu digo, o homem é um mens sana in corpore sanos.
Para terminar, obviamente que te entendo quando alertas para a diferença que devemos ter em consideração entre as religiões e os religiosos. Embora a questão da religião também deva ser tema de análise, já que pode actuar como "ópio do povo": falsamente libertador, mas efectivamente limitador da sua liberdade, é nos concretos homens que a praticam que as suas eventuais virtudes e reais periculosidades, se fazem evidenciar. E a verdade é que a história nos tem (de)mo(n)strado que em nome de um Deus (seja ele qual for, em que religião, lugar, momento histórico e povo for) se praticam as maiores atrocidades. É certo que na política também. A diferença é que na política é uma concreta comunidade, composta por povo, território e outros elementos congregadores (língua, história, etc.), que se organiza e, de alguma forma, legitimam ou deslegitimam comportamentos, sendo essas suas decisões colectivas hetro-avaliados pelos outros estados (povos, culturas), havendo regras de equilíbrio no concerto das nações, por todos comummente aceites. Nas religiões não é assim. É uma superstrutura (a igreja: conjunto de pessoas seguidoras da mesma crença) que se auto-organiza e se auto-legitima: nunca houve, não há, nem se vislumbre que alguma vez venha a haver, qualquer modo de hetro-legitimação do poder da igreja. É-o e ponto final. O que algumas fazem é buscarem essa legitimação confundindo-se com a organização do Estado (veja-se o Cristianismo desde Constantino nalguns dos países da Europa; veja-se o Judaísmo em Israel, a religião muçulmana nalguns dos países do médio oriente e a Igreja Ortodoxa na Rússia).
S. Pedro do Sul, 28 de Janeiro de 2009
João Carlos Gralheiro