O ideal seria a gente reunir-se na "Sabores do Livro" em dia certo a hora determinada para falarmos de livros, designadamente, dos livros que andamos a ler e ou acabamos de ler. Trocar impressões, numa tertúlia viva. Acontece que isso poderá ser impossível, porque os horários de cada um podem não coincidir com os horários de cada qual. Assim, a alternativa será mesmo por este meio. Começando:
Pelo Natal o meu "menino jesus" traz-se, sempre e tão só, livros. Dos que vieram neste último , o primeiro que li foi "O Rei do Volfrâmio" de Miguel Miranda.
O tema é-me muito caro e próximo, pois a minha meninice, infância e adolescência foram vivida no interior de uma família de um "rei do volfrâmio" - meu pai.
Apesar de reconhecer ao Autor uma grande capacidade e desenvoltura na criação de "suspense"/curiosidade (o próprio título do livro é um bom exemplo), tenho de reconhecer que o livro me desiludiu um pouco.
Para mim, uma estória bem contada tem de ter verosimilhança, se non e vero e bene trovato, e este "O Rei do Volfrâmio" tem situações absolutamente inverosímeis: desde o facto de uma só concessão (a do "Rei do Volfrâmio") ter capacidade para abastecer as necessidades deste mineral a Alemanha de Hitler, mantendo por sua conta um comboio exclusivo, num vai-vem constante. Na verdade, um comboio dava para muitas concessões e quem se responsabilizava pelo comboio não era o concessionário, mas uma outra figura: o "exportador" que controlava a exploração. Cada um tinha a sua tarefa. Daqui resulta que toda o trama que põe o "Rei do Volfrâmio" a atravessar Espanha à testa do tal comboio não tem fundamento na realidade histórica.
Mas, o pior é quando a Autor põe em contacto o "Rei do Volfrâmio" com o famoso "Carlos, o Chacal", famoso terrorista internacional que nasceu em Caracas em 1949. É que a acção de " O "Rei do Volfrâmio" passa-se nos fins dos anos 30 e durante a Grande Guerra de 1939-45, isto é, quando "Carlos, o Chacal" ainda nem sequer tinha nascido.
Poder-se-á dizer que o "Rei do Volfrâmio" é um romance e não um um ensaio histórico. Pois é, só que em vez de acrescentar alguma coisa aos nossos conhecimentos, baralha-os. E, como a poesia nunca fez mal aos doutores (António Ferreira), também um certo rigor histórico não faz mal aos romancistas.
Depois estes anacronismos não se verificam apenas neste ponto: a viagem de João Boa Morte de Paris para Portugal com o cadáver da tia "às costas" volta a ser um chorrilho de incoerências. Tem graça, mas não é original, e falta-lhe a tal verosimilhança, pois não é crível que o automóvel tivesse de ficar à espera, na passagem de nível que o comboio passasse...
De qualquer maneira gostava que outrem que tenha lido o livro emita sobre ele a sua opinião, desde logo sobre as dúvida que apresento e, depois, sobre o facto de a tese que se propunha demonstrar ( vida e actuação dos volframistas durante a Guerra Civil de Espanha e durante a II Grande Guerra Mundial) ter falhado redondamente.
Ou este "falhanço" é mais um truque usado para manter a suspense até ao fim?
Jaime Gralheiro
Pelo Natal o meu "menino jesus" traz-se, sempre e tão só, livros. Dos que vieram neste último , o primeiro que li foi "O Rei do Volfrâmio" de Miguel Miranda.
O tema é-me muito caro e próximo, pois a minha meninice, infância e adolescência foram vivida no interior de uma família de um "rei do volfrâmio" - meu pai.
Apesar de reconhecer ao Autor uma grande capacidade e desenvoltura na criação de "suspense"/curiosidade (o próprio título do livro é um bom exemplo), tenho de reconhecer que o livro me desiludiu um pouco.
Para mim, uma estória bem contada tem de ter verosimilhança, se non e vero e bene trovato, e este "O Rei do Volfrâmio" tem situações absolutamente inverosímeis: desde o facto de uma só concessão (a do "Rei do Volfrâmio") ter capacidade para abastecer as necessidades deste mineral a Alemanha de Hitler, mantendo por sua conta um comboio exclusivo, num vai-vem constante. Na verdade, um comboio dava para muitas concessões e quem se responsabilizava pelo comboio não era o concessionário, mas uma outra figura: o "exportador" que controlava a exploração. Cada um tinha a sua tarefa. Daqui resulta que toda o trama que põe o "Rei do Volfrâmio" a atravessar Espanha à testa do tal comboio não tem fundamento na realidade histórica.
Mas, o pior é quando a Autor põe em contacto o "Rei do Volfrâmio" com o famoso "Carlos, o Chacal", famoso terrorista internacional que nasceu em Caracas em 1949. É que a acção de " O "Rei do Volfrâmio" passa-se nos fins dos anos 30 e durante a Grande Guerra de 1939-45, isto é, quando "Carlos, o Chacal" ainda nem sequer tinha nascido.
Poder-se-á dizer que o "Rei do Volfrâmio" é um romance e não um um ensaio histórico. Pois é, só que em vez de acrescentar alguma coisa aos nossos conhecimentos, baralha-os. E, como a poesia nunca fez mal aos doutores (António Ferreira), também um certo rigor histórico não faz mal aos romancistas.
Depois estes anacronismos não se verificam apenas neste ponto: a viagem de João Boa Morte de Paris para Portugal com o cadáver da tia "às costas" volta a ser um chorrilho de incoerências. Tem graça, mas não é original, e falta-lhe a tal verosimilhança, pois não é crível que o automóvel tivesse de ficar à espera, na passagem de nível que o comboio passasse...
De qualquer maneira gostava que outrem que tenha lido o livro emita sobre ele a sua opinião, desde logo sobre as dúvida que apresento e, depois, sobre o facto de a tese que se propunha demonstrar ( vida e actuação dos volframistas durante a Guerra Civil de Espanha e durante a II Grande Guerra Mundial) ter falhado redondamente.
Ou este "falhanço" é mais um truque usado para manter a suspense até ao fim?
Jaime Gralheiro
2 comentários:
Para quem leu o livro, a análise de Jaime Gralheiro parece óbvia. Indiscutivelmente há incongruências diacrónicas entre o narrado e a históra. Quiçá o respeito pela verdade histórica obrigasse a outro tratamento dos factos e das personagens.
Mas deverá a criação artística, quando não inserida em sede de ensaio histórico, ficar limitada pela verdade da história? Não terá o romancista (e o seu leitor) direito à verdade da sua estória? Penso que ambos têm. Que mal há em colocar num romance Cristo a dialogar com Lenine sobre a forma de organizar o povo na sua luta contra quem o oprime?
Depois, o livro insere-se no que poderemos apelidar de "literatura policial", e aí a trama é cativante. O Autor, definindo situações e personagens, leva os Leitores a aproximarem-se mais de uns (os subjectivamente "bons")e a afastarem-se mais de outros (os "maus") utilizando a história (com "h") como efeito perturbador dessas opções, dando à sua obra um fim inesperado, porque imprevisto.
Para um estudo científico da questão da inserção da exploração mineira do volfrâmio no Concelho de Arouca durante o período da 2ª Grande Guerra sugiro a leitura do livro "O Volfrâmio de Arouca " de António Vilar, ed. da Câmara Municipal de Arouca.
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