2009/01/26

O "Último Eça" de Miguel Real



Título: O Último Eça
Autor: Miguel Real
Editora: QuidNovi
Ano de 2006




"O Último Eça" de Miguel Real, é um ensaio que põe em destaque/confronto, as teses do Estado Novo e leituras de estudiosos bem diferentes como António Sérgio, Jaime Cortesão ou António José Saraiva, entre outros. Nesta obra, Miguel Real, dá a cara por adjectivos que qualificam "O Último Eça" como "empenhado" e "humanista" e até mesmo "revolucionário", ao contrário de outros, que o apresentam como "resignado", "vencido da vida" ou "passivo". Ao chamar a atenção para a existência de algumas semelhanças entre o Portugal de hoje e as últimas décadas do século XIX, teve o condão de me despertar uma enorme vontade de voltar a ler toda a obra de Eça de Queirós.
O ideal seria a gente reunir-se na "Sabores do Livro" em dia certo a hora determinada para falarmos de livros, designadamente, dos livros que andamos a ler e ou acabamos de ler. Trocar impressões, numa tertúlia viva. Acontece que isso poderá ser impossível, porque os horários de cada um podem não coincidir com os horários de cada qual. Assim, a alternativa será mesmo por este meio. Começando:
Pelo Natal o meu "menino jesus" traz-se, sempre e tão só, livros. Dos que vieram neste último , o primeiro que li foi "O Rei do Volfrâmio" de Miguel Miranda.
O tema é-me muito caro e próximo, pois a minha meninice, infância e adolescência foram vivida no interior de uma família de um "rei do volfrâmio" - meu pai.
Apesar de reconhecer ao Autor uma grande capacidade e desenvoltura na criação de "suspense"/curiosidade (o próprio título do livro é um bom exemplo), tenho de reconhecer que o livro me desiludiu um pouco.
Para mim, uma estória bem contada tem de ter verosimilhança, se non e vero e bene trovato, e este "O Rei do Volfrâmio" tem situações absolutamente inverosímeis: desde o facto de uma só concessão (a do "Rei do Volfrâmio") ter capacidade para abastecer as necessidades deste mineral a Alemanha de Hitler, mantendo por sua conta um comboio exclusivo, num vai-vem constante. Na verdade, um comboio dava para muitas concessões e quem se responsabilizava pelo comboio não era o concessionário, mas uma outra figura: o "exportador" que controlava a exploração. Cada um tinha a sua tarefa. Daqui resulta que toda o trama que põe o "Rei do Volfrâmio" a atravessar Espanha à testa do tal comboio não tem fundamento na realidade histórica.
Mas, o pior é quando a Autor põe em contacto o "Rei do Volfrâmio" com o famoso "Carlos, o Chacal", famoso terrorista internacional que nasceu em Caracas em 1949. É que a acção de " O "Rei do Volfrâmio" passa-se nos fins dos anos 30 e durante a Grande Guerra de 1939-45, isto é, quando "Carlos, o Chacal" ainda nem sequer tinha nascido.
Poder-se-á dizer que o "Rei do Volfrâmio" é um romance e não um um ensaio histórico. Pois é, só que em vez de acrescentar alguma coisa aos nossos conhecimentos, baralha-os. E, como a poesia nunca fez mal aos doutores (António Ferreira), também um certo rigor histórico não faz mal aos romancistas.
Depois estes anacronismos não se verificam apenas neste ponto: a viagem de João Boa Morte de Paris para Portugal com o cadáver da tia "às costas" volta a ser um chorrilho de incoerências. Tem graça, mas não é original, e falta-lhe a tal verosimilhança, pois não é crível que o automóvel tivesse de ficar à espera, na passagem de nível que o comboio passasse...
De qualquer maneira gostava que outrem que tenha lido o livro emita sobre ele a sua opinião, desde logo sobre as dúvida que apresento e, depois, sobre o facto de a tese que se propunha demonstrar ( vida e actuação dos volframistas durante a Guerra Civil de Espanha e durante a II Grande Guerra Mundial) ter falhado redondamente.
Ou este "falhanço" é mais um truque usado para manter a suspense até ao fim?

Jaime Gralheiro

2009/01/24

Reflexões
Um dos principais valores em que culturalmente assenta a sociedade que nos inserimos é o da dignidade da pessoa humana. O reconhecimento do Homem como sujeito de direitos e deveres, num espaço de liberdade e responsabilidade, é uma das conquistas da civilização contra a barbárie.
Mas que Homem é este que historicamente se tem vindo a afirmar? Indiscutivelmente é corpo, mas não é só isso. É também interacção com o meio que o rodeia, dando e recebendo. È neste espaço de liberdade e responsabilidade que ele se afirma como identidade própria e autónoma, Com uma capacidade de avaliação. Para tanto, nesta relação intra e inter subjectiva é necessário que haja um adequado equilíbrio do homem consigo mesmo e com o meio envolvente. Tem de haver saúde, entendida esta como um estado de completo bem-estar físico, mental e social. Ser-se são etimologicamente equivale a ser-se puro, que na mesma sede equivale a ser-se santo. Dito isto, poderemos chegar a uma primeira conclusão: ontologicamente o Homem é matéria, é espírito e é saúde/santidade.
Acontece que estes valores, que para todos nós se afirmam hoje como algo indiscutível, exigiram dos que nos precederam lutas tenazes e profundamente desiguais. Uma dessas lutas foi contra uma das instituições que mais tem formatado culturalmente o conjunto de países onde geográfica e politicamente nos inserimos. Falo da Igreja Católica. Esta instituição para poder dominar os homens, teve de lhes tirar o corpo, lembremo-nos dos Autos de Fé onde, em nome de um Deus clemente, misericordioso, consolador, se queimavam pessoas. Mas também lhe tirou a alma. Para S. Pedro e seus seguidores o homem é pó e em pó se tornará. Que tratamento mais baixo se poderá dar ao Homem? Como já se deixou dito, o Homem é muito mais que pó, muito mais que matéria. O Homem é também capacidade de afirmação da sua liberdade e responsabilidade na interacção com o meio que o rodeia. Mas a Igreja Católica, na senda de retirar ao Homem toda a sua identidade, tentando com isso deixá-lo, perdido, só, mais propenso ao domínio, retirou-lhe a saúde/santidade, exigindo que em vida o Homem sofresse de todos os padecimentos, com a promessa de uma vida celestial não mensurável nem demonstrável. Chegamos, assim, a uma segunda conclusão: a “Santíssima Trindade” – Pai, Filho e Espírito Santo – mais não é do que o roubo perpetuado pela Igreja Católica ao Homem, apropriando-se da sua espiritualidade, fazendo-a nascer num Pai (“Deus”); retirando-lhe a sua materialidade que fez encarnar num Filho (“Cristo); retirando-lhe a sua saúde/santidade, que fez projectar num “Espírito Santo”.
S. Pedro do Sul, 24 de Janeiro de 2009

2009/01/21

Os jovens e a leitura: uma relação de amor ou ódio?

Muitas das gerações passadas eram sedentas por leitura, contudo, apesar do interesse, muitas delas não possuíam condições financeiras que lhes permitisse adquirir conhecimento através dos livros. Estava-se então na presença de famílias numerosas, onde poucos saíam para estudar, pois era necessário trabalhar para ajudar no sustento da família. O que acontece com a geração actual é justamente o contrário: os jovens concentram grande parte dos recursos financeiros disponíveis nas suas carreiras, porém, fazem-no privilegiando, sobretudo, o consumo daquilo que está na moda. Adquirem roupa de marca e telemóveis com funções “multi-supérfluas”. Uns Ignoram as boas obras literárias, considerando-as “ultrapassadas”, outros, desconhecem mesmo a existência de autores de referência, tais como Eça de Queirós, Alexandre Herculano, Almeida Garret ou Fernando Pessoa.
Nos tempos que correm, o incentivo à leitura é precário, carecendo de uma maior força motivadora. Os jovens de hoje desprezam o acto de ler sob uma óptica estereotipada em que o corpo e a moda são mais importantes do que o conhecimento contido num livro. Outro factor que contribui consideravelmente para o declínio do hábito da leitura, embora não explicando tudo, é o contínuo desenvolvimento tecnológico. Inúmeros livros consagrados dão lugar às telas de cinema ou às últimas tecnologias, portáteis topo de gama ou jogos interactivos – quanto mais violentos e sangrentos melhor.Chegou a altura de ultrapassar a mera enumeração de dificuldades, que explicam o pouco que se lê e passarmos à acção. Assim, que atire a primeira pedra quem não tem duas horas livres para ler… Ora, está talvez na altura de desligar a televisão, o rádio e ir ler um livro. É de extrema importância enfatizar que a arte da leitura (sim, no sentido de transformação) é fundamental para o conhecimento. Ler uma obra agradável pode ser a alavanca necessária à alteração dessa difícil relação leitor/livro, possibilitando, quem sabe, que o ódio possa gerar o amor.
Infelizmente, muitos jovens não têm hábitos de leitura. É claro que há excepções, não podemos generalizar. Há sim jovens que gostam de ler qualquer estilo literário mas, na realidade, a grande maioria dos adolescentes não gosta nem quer ouvir falar em ler, principalmente os clássicos da literatura. Entretanto, não podemos culpar os jovens por essa aversão à leitura. Os livros, na sua maioria, têm uma linguagem muito difícil de compreender e esse motivo já é suficientemente forte para fazer os adolescentes cansarem-se e perderem a vontade de ler. Afinal, o que adianta ler e não entender nada? A leitura é muito importante para o ser humano, em qualquer fase da sua vida. Por essa razão, é preciso despertar no jovem o prazer de ler e para se conseguir isso, temos de nos inteirar dos seus gostos, as suas músicas preferidas, os seus pensamentos reconhecendo também que a internet, tida como inimiga por muitas pessoas, pode ser uma boa arma para ajudar a conquistar o gosto pela leitura. A tarefa de fazer o jovem gostar de ler pode deixar de ser tão difícil. Isso pode acontecer se houver um trabalho conjugado de pais e professores. Há que fazer os jovens ver que a leitura não é um"bicho-de-sete-cabeças", pelo contrário, até pode ser muito divertido e também pode acrescentar coisas boas nas nossas vidas.
O encanto das palavras remete o leitor para além de sim mesmo, enriquecendo o seu mundo e as suas expectativas. É esse o sentido pedagógico da leitura. Formar leitores, é participar num importante acto de cidadania, oferecendo uma ferramenta fundamental para ampliar nossa concepção do mundo e até alterá-la, transferindo-a para situações do nosso interesse.

Célia Lopes

2009/01/20

Quem ousaria...

Quem ousaria ora casar Livraria com Café em São Pedro do Sul, quem?!..."Este Zé é mesmo um sonhador!", juntaria amigo teu, amigo nosso. É, Zé, que o euro está caro, a bica a cem paus, a cento e alguns escudos, o livro a três, quatro contos de réis... e a malta (con)sumindo-se de débito em débito, menino! Vai penosa esta vida!... Sabes, sabemos que rareia já até o pão à dita classe média. Novos pobres, é o que é! Casa aonde o não há difícil é alimentar o espírito, a alma e o sonho.Encher a barriguita é, por outro lado, acto que não custa, conquanto que saciar a alma dá trabalho, exige esforço e treino, bué de treino! O acto de ler e de entender o que se lê é complexo, muito complexo. Felizmente que tem aumentado o número de leitores, bem assim o gosto pelo livro, pela leitura, é um facto, sobretudo nos mais novos, que a Escola tem realizado algum trabalho com mérito, esforçado, é certo, que os recursos são parcos! Para além de não custar, consolar o estômago é instintivo. Basta que observemos um recém-nascido mamando sobre a mãe. Todavia, dou-te razão, Zé, que de entre constatar as amarguras desta vida, cruzando os braços, e arregaçar as mangas, botando mãos à obra, preferível será, em boa verdade, embrenharmo-nos em projecto atrás de projecto.Por isso me curvo respeitosamente, desejando-te sucessos muitos, menino, e aproveito o ensejo, já agora, para agradecer o Convite que insistentemente me endereçaste. Força, Zé, vamos a isto! Um abraço do Jão Cerveira 20 de Janeiro de 2009

2009/01/15

Apoios para que te quero


Pese embora a importância de qualquer apoio, seja ele físico/mecânico, familiar, psicológico ou social, sempre carece de uma elucidação prévia para evitar erros decorrentes de uma incorrecta utilização. Se não, vejamos alguns exemplos:
Perante um muro que ameaça ruir, um simples suporte de madeira que não tenha em conta a verdadeira força da gravidade ou os seus alicerces sejam insuficientes, apenas poderá ser considerado como um "faz de conta" ou como o povo diz, para "encanar a perna à rã". A solução poderá passar por uma acção mais radical que provoque a queda do muro, para assim de novo o erguer em segurança, arredando de vez o perigo, para quem por ali passe. Mais um exemplo:
Uma família que tenha um elemento toxicodependente, que diariamente os pressione para obter cada vez mais dinheiro para consumir (com os prejuízos daí decorrentes em termos de saúde), causando uma verdadeira hecatombe no grupo familiar: o que é possível fazer perante o sofrimento que aquele padece, quando se encontra em estado de ressaca? Não esquecendo que o seu sofrimento é real, deveremos confrontá-lo com a gravidade da situação, embora abstendo-nos de atitudes condenatórias. Assim, deveremos promover o diálogo que possa levar à compreensão do necessário tratamento, ao mesmo tempo que, se devem fazer cessar todos aqueles apoios que possam suportar o processo de consumo. Ainda um último caso:
Uma família que viva uma situação de carência económica há já algum tempo e que tenha na falta de emprego, uma das principais causas. Se a isso lhe acrescentarmos o desânimo já instalado e a falta de motivação em relação à atitude a tomar, face à vida, às obrigações e responsabilidades sociais, provocando uma inércia em relação ao trabalho e às outras necessidades fundamentais da vida, o que devemos fazer em tal situação? Deveremos apenas socorrer esta família com produtos necessários à sua sobrevivência vital - de uma forma continuada - ficando-nos apenas pelas acções caritativas? Ou, para além do socorro material, que embora essencial não é bastante, deveremos socorrer-nos de outras acções que aproveitando as sinergias existentes, possam colocar aquela família na linha da frente e pronta a assumir responsabilidades e tomar as rédeas do seu destino?
Para nós o que faz verdadeiramente sentido é termos em atenção toda a estrutura que está em desequilíbrio e não apenas um elemento ou parte do todo. O nosso olhar deverá ser horizontal e desprovido de preconceitos, de que o problema está nos outros e, pior ainda, que nada há a fazer, como se nós fossemos os bons e aqueles outros, que atravessam situações de dificuldade e carência de qualquer ordem, representassem a maldade, a ignorância, o que não presta e se deve deitar fora.
Todas as contendas, todos os contratos, todos os acontecimentos em que intervêm os homens, têm pelo menos dois lados e não apenas, aquele que corresponde ao ponto de vista, que coincide com os nossos interesses e se adapta "à menina dos nossos olhos".
Urge assim, assumir uma postura despretensiosa evitando as atitudes eivadas de pré–juízos, olhando o nosso semelhante como alguém em dificuldade. Nós próprios poderíamos encontrar-nos numa idêntica situação e certamente que auguraríamos um tratamento respeitoso e solidário. Por isso, resta-nos agir em conformidade, como se fossemos nós, o destinatário da intervenção e do apoio. Esta postura, é viável, quer nos encontremos numa situação de intervenção voluntária, quer nos encontremos em intervenção decorrente da nossa actividade profissional.
Que gostaríamos nós de receber em tal situação? Apenas a oferta de bens ou serviços sem nos pedirem nada em troca, sem buscar a compreensão real da situação a justificar o apoio, ou antes dialogando e inventariando as várias dificuldades existentes e quais as forças potenciais a mobilizar. Que forças interiores disponíveis e prontas a usar, concorrendo como um verdadeiro cimento na construção de um projecto de vida, no qual, os apoios sociais poderiam servir de alavanca importante na implantação dos seus alicerces.
Se for esta a nossa postura, a nossa maneira de estar e intervir, certamente que estaremos no caminho certo e não nos ficaremos por apenas dar o peixe a quem tem fome. Se assim fizermos, estaremos em condições de almejar um papel mais importante, de cuja representação receberemos algumas alegrias e o sentido do dever cumprido. Ao assumirmos este compromisso social, estaremos então à altura da nossa humanidade. Assim, em cada dia que passa, poderemos renová-lo, participando neste trabalho gigantesco com o nosso pequeno óvulo, como agentes activos na formação integral do nosso semelhante, no qual venha a ter reflexos duradouros, dando-lhe a cana, com certeza, mas ensinando-o também a pescar.
S. Pedro do Sul, 10 de Janeiro de 2009.
José Roque

2009/01/14

Nota de Abertura



Embora sendo o proprietário da Livraria/Café “Sabores do Livro” e por isso ter interesses pessoais e comerciais que me impelem a esforçar-me pelo seu sucesso, quero aqui formalmente declarar que, tudo farei para orientar todas as minhas prestações, para que o projecto que lhe está subjacente se concretize, a saber:

- Promover o encontro de pessoas quer se conheçam ou não;
- Acolher diversas actividades culturais, desde a realização de conferências, tertúlias, sessões de poesia e pequenos quadros teatrais, de forma a fomentar a partilha de ideias, o gosto pela leitura e a fruição do tempo livre de uma forma saudável;
- Encurtar distâncias entre os consumidores e o livro, para o que tentaremos escrever algumas notas sobre dois ou três mensalmente, podendo assim talvez, contribuir para aguçar o interesse de alguns para a sua leitura;
- Criar um blogue que possa ser um suporte e um instrumento facilitador da discussão, para o que já requisitamos a participação de um conjunto de colaboradores, que tentarão abordar vários temas, desde a saúde, a educação, a participação social e cidadania, entre outros;
- Colaborar, de acordo com as nossas parcas possibilidades, em todas as actividades que possam ajudar a alargar horizontes, despertar afectos, a promover atitudes que possam contribuir para a construção de uma sociedade de valores, que a todos dignifique.
José Roque